terça-feira, 13 de março de 2012

Olívio, sempre Olívio!

por Olívio Dutra

Sempre fui desvinculado organicamente de estruturas políticas antes e, depois, dentro do PT. Não reivindico isso como virtude, mas não é tampouco um defeito, talvez uma limitação. Venho da vertente sindicalista que ajudou a fundar o partido.

Um balanço do PT, como partido de esquerda, socialista e democrático, tem de vê-lo como parte da luta histórica do povo brasileiro, em especial dos trabalhadores, na busca de ferramentas capazes não só de mexer mas de alterar a estrutura de poder do Estado e sociedade brasileiros marcada por privilégios baseados no enorme poder político, econômico, cultural de uma minoria. O PT nasceu para lutar por uma sociedade sem explorados e sem exploradores e radicalmente democrática.

Antes do PT, ainda no século XIX, surge o PSB, o primeiro partido de esquerda do Brasil republicano. O movimento operário anarquista das primeiras décadas do século xx era avesso à idéia de um partido. O PC surge em 1922. O PT aparece numa conjuntura de enorme agitação política reprimida por uma ditadura militar, fruto do golpe de 1964 que recompôs as elites contra um populismo que já não controlava mais as lutas sociais.

Este populismo, iniciado por Vargas e que inspira Jango e Brizola, era dirigido por gente ligada ao latifúndio “esclarecido”, um pouco na tradição dos republicanos gaúchos- Julio de Castilhos, Borges de Medeiros – que compartilhavam a idéia de que política não é para qualquer um, que o povo precisa de alguém que o cuide.

O PT nasceu com a idéia de que o povo devia ser o sujeito de sua história, o que marcou os seus primeiros passos. Mas, à medida em que conquistou mandatos em vários níveis, a coisa foi ficando“osca”, suas convicções e perspectivas foram perdendo nitidez. Houve uma acomodação na ocupação das máquinas institucionais (inclusive no Judiciário).

Diante desse processo o PT não se rediscutiu, não discutiu os efeitos dessa adaptação à institucionalidade de um Estado e de uma sociedade que, para serem democráticos, precisam ser radicalmente transformados.

Assim, o PT cresce quantitativamente – em 2011 temos três vezes mais diretórios municipais, passamos de mil a 3 mil, em função de eleições e do fato de o partido estar no governo federal e em governos estaduais, municipais, além de ter eleito centenas de parlamentares nos três níveis de representação.

E, bem mais que as idéias ou mesmo o programa, o que mobiliza o partido, ultimamente, são as eleições internas e externas. Somos todos responsáveis por isso: a política como um “toma lá, dá cá”, confundindo-se com negócios, esperteza,e a idéia de tirar proveito pessoal dos cargos públicos conquistados. E tem gente chegando no partido para isso, favorecidos pelo discurso da governabilidade mínima com o máximo de pragmatismo político.

Mesmo com os dois mandatos de Lula, demarcatórios na história de nosso país,o Estado brasileiro não foi mexido na sua essência. O 1º mandato foi de grande pragmatismo, onde a habilidade de Lula suplantou o protagonismo do Partido e garantiu, para um governo de composição, uma direção, ainda que com limites, transformadora da política. A política de partilhar espaços do Estado com aliados políticos de primeira e última hora de certa forma já vinha de experiências de governos municipais e estaduais mas ali atingiu a sua quinta essência. No 2º mandato, ao invés de o PT recuperar o protagonismo, diluiu-se mais um pouco, disputando miríades de cargos em todos os escalões da máquina pública.

Quanto à Dilma, ela é um quadro político da esquerda. Seu ingresso no PT, honroso para nós, não foi uma decisão fácil para ela, militante socialista do PDT e sua fundadora.

O PDT estava no governo da Frente Popular(PT, PDT, PSB, PC, PC do B) no RS. Veio conosco no 2º turno. No 1º turno sua candidata tinha sido a ex-senadora Emilia Fernandes. A relação do Brizola com o PT e com nosso governo nunca foi tranqüila. Tive de contornar demandas descabidas para criar secretarias para abrigar pessoas de sua indicação. Lembro o quanto lutamos pela anistia e volta dos exilados ainda durante a ditadura. Ocorre que em 1979, quando Brizola voltava do exílio, nós, os bancários de Porto Alegre – eu era presidente do sindicato da categoria – estávamos em greve. Caiu a repressão sobre nós com intervenção no sindicato e prisão de lideranças. Brizola permaneceu em São Borja no aguardo de que, com a prisão dos dirigentes, a greve acabasse. Veio até Carazinho, mas como a greve, apesar da repressão, não terminara, voltou para São Borja. A categoria tinha a expectativa que ele, pelo menos, desse uma declaração contra a repressão ao movimento. Não se manifestou.

Quando do governo da Frente Popular, em decorrência de o PT e PDT terem candidaturas opostas à Prefeitura de POA(nosso candidato, eleito, foi o Tarso Genro), Brizola, como presidente nacional do PDT, fez pressão para que trocássemos os secretários pedetistas ligados ao “trabalhismo social”: Dilma, Sereno, Pedro Ruas e Milton Zuanazzi, caso contrário o PDT deixaria o governo. Não concordamos. Eles foram mantidos nos cargos e com plena liberdade para se decidirem sobre sua vinculação partidária. Todos eles travaram uma discussão intensa nas instâncias do PDT e deliberaram desfiliarem-se e, posteriormente, após nova discussão interna, desta vez nas instâncias do PT, filiarem-se ao nosso partido. A Dilma, à época em que reabrimos a negociação sobre os subsídios, favores tributários e renúncia fiscal para a Ford, estava ainda no PDT e, como Secretária de Minas e Energia do nosso governo, participou da construção da decisão que, séria, responsável e republicanamente tomamos. Sua postura determinada nessas e em outras circunstâncias teem o nosso reconhecimento, respeito e admiração.

Ela tem clareza sobre como funciona o Estado e como deveria funcionar, sob controle público, para ser justo, desenvolvido e democrático mas, a composição do governo é um limitador e ela não vai poder alterar as estruturas arcaicas e injustas do Estado brasileiro, coisa que o próprio Lula, com toda sua historia vinculada às lutas sociais da s últimas décadas, não conseguiu fazer. Para mexer nisso, tem que ser debaixo para cima!

Então aí está o papel do partido que não pode se acomodar. Nós, os petistas, nos vangloriamos de feitos em prefeituras, governos estaduais e federal. Mas, criamos mais consciência no povo para que se assuma como sujeito e não objeto da política?

Nas eleições fala-se em “obras” e não se discute a estrutura do Estado, como e quem exerce o poder na sociedade e no estado brasileiros, os impostos regressivos para os ricos e progressivos para os pobres, as isenções, os favores tributários, a enorme renúncia fiscal. Tem prefeitura do PT que privatiza a água, aceitando o jogo do capital privado e a redução do papel do estado numa questão estratégica como essa.

O PT não se esgotou no seu projeto estratégico,mas corre o risco de se tornar mais um partido no jogo de cena em que as elites decidem o quinhão dos de baixo preservando os privilégios dos de cima. Nosso partido tem de desbloquear a discussão de questões estruturais do estado e da sociedade brasileira da disputa imediata por cargos. Essa discussão deve ser feita não apenas internamente mas com o povo brasileiro.

Realizar Seminários onde se discuta até mesmo o papel e o estatuto das correntes internas. Seminários com os lutadores sociais para discutir como um o partido com nossa origem e compromisso pode governar transformadoramente sem se apequenar no pragmatismo político.

A lógica predominante, diante das eleições do ano que vem, é de governarmos mais cidades, mas qual a cidade que queremos? A imposta pela indústria automobilística, desde os tempos de JK, com ferrovias privatizadas e sucateadas e o rodoviarismo exigindo que o espaço urbano se esgarce e se desumanize para dar espaço para o automóvel particular? Onde as multinacionais se instalam com as maiores vantagens do mundo e as cidades viram garagens para carros, onde túneis, viadutos e passarelas, cuja capacidade se esgota em menos de 10 anos, tecem teias de concreto que mais aprisionam do que libertam o ser humano?

O PT deve refletir sobre suas experiências de governar as cidades . São muitas e nenhuma definitiva. O Orçamento Participativo não foi radicalizado ao ponto de ser apropriado pela cidadania como ferramenta sua para controle não só de receitas e despesas, verbas para obras e serviços, no curto prazo,mas sobre a renda da cidade, sua geração e o papel do governo na sua emulação e correta distribuição social, cultural, espacial, econômica e política. O Orçamento Participativo tem que ser pensado não como uma justificativa para a distribuição compartilhada de poucos recursos mas como gerador de cidadania capaz de, num processo de radicalidade democrática crescente, encontrar formas de erradicar o contraste miséria/riqueza do panorama de nossas cidades.

A crise econômica mundial está longe de ser debelada e os países ricos teem enorme capacidade de “socializar” o pagamento dela com os países pobres. No chamado Estado de Direito Democrático o ato de governar é resultado de uma ação articulada e interdependente entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Ocorre que na sociedade capitalista o Poder Econômico, que não está definido na Constituição, é tão poderoso e influente quanto todos aqueles juntos. Portanto, a confusão entre governo e esse poder “invisível” privatiza o Estado e é caldo de cultura para a corrupção.

Como presidente de honra do PT-RS tenho cumprido agenda partidária, fazendo roteiros, visitando cidades, participando de atos de filiações, ouvindo as lideranças de base e discutindo o PT. Sinto-me provocado positivamente com esta tarefa.

Mas na estrutura que existe hoje o Partido é cada vez mais dependente, inclusive financeiramente, dos cargos executivos e mandatos legislativos que vem conquistando. É difícil, pois, uma guinada, sem que haja pressão debaixo para cima sobre as direções , correntes, cargos e mandatos. Assim como está o PT vai crescer “inchando”, acomodando interesses. A inquietação na base quanto à isso ainda é pequena mas é sinalizadora de que a luta para que o PT seja um partido da transformação e não da acomodação vale a pena.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Por que o Danilo Gentili NÃO é inteligente

Escrevi esse texto como resposta a um texto do Gentili que estão divulgando no facebbok.

Que me desculpem os que gostam do babaca do Gentili, mas vejamos algumas das opiniões desse cara sobre o fato, lá de 2008, quando ele comparou um jogador de futebol com o king kong:

"Se você me disser que é da raça negra, preciso dizer que você também é racista".

Não! Não tem nada a ver meu caro! A utilização do termo "raça" para se referir ao negro tem uma conotação sociológica, não biológica. Se ele estivesse mais preocupado em estudar do que em querer parecer engraçadinho, saberia que esta discussão foi travada pelo movimento negro em função da indentificação das mazelas que o racismo provocou em nossa sociedade. E se a nossa sociedade É racista, então é porque considera que existe raça e que uma é melhor que a outra. Foi preciso um grande esforço para mostrar ao Brasil que o nosso racismo é mascarado e por isso mesmo extremamente cruel. Pessoas que usam esse tipo de argumento do Gentili para serem engraçadinhas fazem um imenso desfavor para a diminuição das desigualdades "raciais" da nossa sociedade.

"Quando um humano se xinga de burro ou elefante dão risada. Mas quando xingam de macaco vão presos."

Talvez, também pelo esforço em fazer "piada", o gentili desconheça o significado de EMPATIA. Não é preciso ser negro para saber que ser chamado de macaco é no sentido ofensivo, de animal "quase humano", mas inferior. Mesmo assim, digamos que ele ache normal debochar das pessoas por algum atributo que elas venham a ter, mas não conheço ninguém que tenha gostado de, pelo fado de ser gordo, ser chamado de baleia. Isso só deve ser engraçado pra quem faz o deboche.

"Posso afirmar aqui então que Darwin foi o maior racista da história por dizer que eu vim do macaco?"

Quando mesmo que o Darwin disse isso? Ah, talvez ele estivesse preocupado em bolar uma "piada" na hora que a professora de história falou que o Darwin disse que os humanos e os macacom têm um ANCESTRAL COMUM!

"não sei qual o problema em chamar um preto de preto. Esse é o nome da cor não é?"

Ele tá se fazendo de ingênuo ou é burro mesmo? Então tá Gentili, vamos dizer que "talvez" os termos que usamos tenham sentidos histórico e sociologico e que são carregados de significados e que é direito de um grupo de pessoas que compõe mais da metade dos cidadão do teu país não gostarem do sentido sócio-histórico da palavra.

"Digo isso porque a patrulha do politicamente correto é tão imbecil e superficial que tenho absoluta certeza que serei censurado se um dia escutarem eu dizer: "E aí seu PRETO, senta aqui e toma uma comigo!"

É tão imbecil e superficial... claro! Esses argumentos usados pelo Gentili são altamente intelectualizados. Sobre os que se incomodam tanto com o "politicamente correto", eu diria que o incômodo se dá porque ele cutuca a ignorância do sujeito sobre o assunto em questão e que dá muito trabalho sair do senso comum. Então é mais fácil chingar de politicamente correto. É uma posição que se toma na vida...

"SOU ÍTALO-DESCENDENTE. ITALIANOS NÃO ESCRAVIZARAM AFRICANOS NO BRASIL. VIERAM PRA CÁ E, ASSIM COMO OS PRETOS, TRABALHARAM NA LAVOURA. A DIFERENÇA É QUE ESCRAVA ISAURA FEZ MAIS SUCESSO QUE TERRA NOSTRA."

Os Italianos estiveram na África colonizando também em outro período histórico, mas o que realmente me impressiona é o fato de ele achar que trabalhar na lavoura e ser escravo seja a mesma coisa. Mas depois ele ameniza dizendo que tá, eles foram chicoteados e os italianos não...

"Se é engraçado piada de gay e gordo, por que não é a de preto?"

QUEM DISSE QUE É ENGRAÇADO???? O "macho adulto branco sempre no comando", como diria Caetano? Ah tá, entendi os argumentos dele agora!

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Trangênicos e sociedade

O tema "foi" deveras polêmico, porém parece que ninguém mais tá interessado em discutir. A gente prefere ficar na cômoda situação de deixar como está, que os outros se preocupem pela gente, se tiver algum problema. Aqueles que "tem tempo" e que "adoram" criar uma polêmica.
Bom, mas a questão não simplesmente criar polêmica. A questão é de saúde pública, é ambiental, é de direito do consumidor e do produtor rural, é de mercado e monopólios, é social, é da área da biotecnologia... enfim, é de um monte de coisas. Quem não se interessa por uma pode se interessar por outra. E esse é o ponto forte do livro "Transgênicos para quem?" que foi lançado no Fórum Social Temático 2012 em Poa. O livro é uma publicação do NEAD/MDA e conta com diversos especialistas no assunto do Brasil e da França.
Acho que a gente não pode deixar esse assunto morrer, não podemos cair no comodismo. É SÓ(e reforço o só) com a pressão da sociedade que as coisas acontecem. Se deixarmos as corporações tomarem conta do nosso destino, em pouco tempo 1984 estará aí! A nossa sociedade é cada vez mais artificial, não nos preocupamos mais com a origem das coisas, com todo o processo que envolve sua fabricação. Sobre isso, vale esse vídeo:

Estamos distantes demais da realidade para sabermos que um salsichão comprado no super é feito com a carne de um animal que antes era vivo:

Temos que entender que somos animais e que fazemos parte deste planeta, não somos algo além dele ou pior, acima dele. Que as coisas acontecem em rede, que tudo é interligado, não só a internet.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Entrevista com Sílvio Tendler e vídeo O Veneno está na Mesa

A situação da produção de alimentos no mundo é muito preocupante, já que a última preocupação da agroindústria são a nutrição e a saúde da população. No Brasil, não é diferente. Aqui, os latifundiários e grandes produtores de alimentos não matam apenas pela posse da terra os pequenos agricultores, mas matam seus empregados, que tem que usar absurdas quantidades de venenos e os consumidores, que se alimentam de produtos intoxicados que vão acumulando no organismo, provocando câncer e outras doenças fatais. E isso vai além de um único governo. Essa situação está entranhada na nossa história e estrutura social e política. E somos nós que podemos pressionar por mudanças. Não adianta só ficar reclamando. Temos que divulgar vídeos como esse, conscientizar amigos e vizinhos, conhecer os projetos e história dos políticos em quem vamos votar, educar nossos filhos para buscarem o direito de viver em um mundo melhor...
A entrevista com o Sílvio Tendler do Brasil de Fato, reproduzida pelo Portal Vermelho é excelente para pensar sobre isso. E o vídeo dele também! Boa reflexão!
Hasta!

Silvio Tendler: o veneno está na mesa do brasileiro


Silvio Tendler é um especialista em documentar a história brasileira. Já o fez a partir de João Goulart, Juscelino Kubitschek,Carlos Marighela, Milton Santos, Glauber Rocha e outros nomes importantes. Em seu último documentário, Silvio não define nenhum personagem em particular, mas dá o alerta para uma grave questão que atualmente afeta a vida e a saúde dos brasileiros: o envenenamento a partir dos alimentos.


Em O veneno está na mesa, lançado no último dia (25) no Rio de Janeiro, o documentarista mostra que o Brasil está envenenando diariamente sua população a partir do uso abusivo de agrotóxicos nos alimentos. Em um ranking para se envergonhar, o brasileiro é o que mais consome agrotóxico em todo o mundo, sendo 5,2 litros a cada ano por habitante. As consequências, como mostra o documentário, são desastrosas.

Em entrevista ao Brasil de Fato, Silvio Tendler diz que o problema está no modelo de desenvolvimento brasileiro. E seu filme, que também é um produto da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida, capitaneada por uma dezena de movimentos sociais, nos leva a uma reflexão sobre os rumos desse modelo. Confira.

Brasil de Fato: Você que é um especialista em registrar a história do Brasil, por que resolveu documentar o impacto dos agrotóxicos sobre a agricultura e não um outro tema nacional?
Silvio Tendler: Porque a partir de agora estou querendo discutir o futuro e não mais o passado. Eu tenho todo o respeito pelo passado, adoro os filmes que fiz, adoro minha obra. Aliás, meus filmes não são voltados para o passado, são voltados para uma reflexão que ajuda a construir o presente e, de uma certa forma, o futuro. Mas estou muito preocupado. Na verdade esse filme nasceu de uma conversa minha com [o jornalista e escritor] Eduardo Galeano em Montevidéu [no Uruguai] há uns dois anos, em que discutíamos o mundo, o futuro, a vida. E o Galeano estava muito preocupado porque o Brasil é o país que mais consumia agrotóxico no mundo. O mundo está sendo completamente intoxicado por uma indústria absolutamente desnecessária e gananciosa, cujo único objetivo realmente é ganhar dinheiro. Quer dizer, não tem nenhum sentido para a humanidade que justifique isso que está se fazendo com os seres humanos e a própria terra. A partir daí resolvi trabalhar essa questão. Conversei com o João Pedro Stédile [coordenador do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra], e ele disse que estavam preocupados com isso também. Por coincidência, surgiu a Campanha Permanente contra os Agrotóxicos, movida por muitas entidades, todas absolutamente muito respeitadas e respeitáveis. Fizemos a parceria e o filme ficou pronto. É um filme que vai ter desdobramentos, porque eu agora quero trabalhar essas questões.

Brasil de Fato: Então seus próximos documentários deverão tratar desse tema?
ST: Pra você ter uma ideia, no contrato inicial desse documentário consta que ele seria feito em 26 minutos, mas é muita coisa pra falar. Então ficou em 50 [minutos]. E as pessoas quando viram o filme, ao invés de me dizerem ‘está muito longo’, disseram ‘está curto, você tem que falar mais’. Quer dizer, tem que discutir outras questões, e aí eu me entusiasmei com essa ideia e estou querendo discutir temas conexos à destruição do planeta por conta de um modelo de desenvolvimento perverso que está sendo adotado. Uma questão para ser discutida de forma urgente, que é conexa a esse filme, é o agronegócio. É o modelo de desenvolvimento brasileiro. Quer dizer, porque colocar os trabalhadores para fora da terra deles para que vivam de forma absolutamente marginal, provocando o inchaço das cidades e a perda de qualidade de vida para todo mundo, já que no espaço onde moravam cinco, vão morar 15? Por que se plantou no Brasil esse modelo que expulsa as pessoas da terra para concentrar a propriedade rural em poucas mãos, esse modelo de desenvolvimento, todo ele mecanizado, industrializado, desempregando mão de obra para que algumas pessoas tenham um lucro absurdo? E tudo está vinculado à exploração predatória da terra. Por que nós temos que desenvolver o mundo, a terra, o Brasil em função do lucro e não dos direitos do homem e da natureza? Essas são as questões que quero discutir.

Brasil de Fato: Você também mostrou que até mesmo os trabalhadores que não foram expulsos do campo estão morrendo por aplicar em agrotóxicos nas plantações. O impacto na saúde desses agricultores é muito grande...
ST: É mais grave que isso. Na verdade, o cara é obrigado a usar o agrotóxicoagrotóxico, ele não recebe o crédito do banco. O banco não financia a agricultura sem agrotóxico. Inclusive tem um camponês que fala isso no filme, o Adonai. Ele conta que no dia em que o inspetor do banco vai à plantação verificar se ele comprou os produtos, se você não tiver as notas da semente transgênica, do herbicida, etc., você é obrigado a devolver o dinheiro. Então não é verdade que se dá ao camponês agricultor o direito de dizer ‘não quero plantar transgênico’, ‘não quero trabalhar com herbicidas’, ‘quero trabalhar com agricultura orgânica, natural’. Porque para o banco, a garantia de que a safra vai vingar não é o trabalho do camponês e a sua relação com a terra, são os produtos químicos que são usados para afastar as pestes, afastar pragas. Esse modelo está completamente errado. O camponês não tem nenhum tipo de crédito alternativo, que dê a ele o direito de fazer um outro tipo de agricultura. E aí você deixa as pessoas morrendo como empregadas do agronegócio, como tem o Vanderlei, que é mostrado no filme. Depois de três anos fazendo a tal da mistura dos agrotóxicos, morreu de uma hepatopatia grave. Tem outra senhora de 32 anos que está ficando totalmente paralítica por conta do trabalho dela com agrotóxico na lavoura do fumo.

Brasil de Fato: A impressão que dá é que os brasileiros estão se envenenando sem saber. Você acha que o filme pode contribuir para colocar o assunto em discussão?
ST: Eu acho que a discussão é exatamente essa, a discussão é política. Eu, de uma certa maneira, despolitizei propositadamente o documentário. Eu não queria fazer um discurso em defesa da reforma agrária ou contra o agronegócio para não politizar a questão, para não parecer que, na verdade, a gente não quer comer bem, a gente quer dividir a terra. E são duas coisas que, apesar de conexas, eu não quis abordar. Eu não quis, digamos assustar a classe média. Eu só estou mostrando os malefícios que o agrotóxico provoca na vida da gente para que a classe média se convença que tem que lutar contra os agrotóxicos, que é uma luta que não é individual, é uma luta coletiva e política. Tem muita gente que parte do princípio ‘ah, então já sei, perto da minha casa tem uma feirinha orgânica e eu vou me virar e comer lá’, porque são pessoas que têm maior poder aquisitivo e poderiam comprar. Mas a questão não é essa. A questão é política, porque o agrotóxico está infiltrado no nosso cotidiano, entendeu? Queira você ou não, o agrotóxico chega à sua mesa através do pão, da pizza, do macarrão. O trigo é um trigo transgênico e chega a ser tratado com até oito cargas de pulverizador por ano. Você vai na pizzaria comer uma pizza deliciosa e aquilo ali tem transgênico. O que você está comendo na sua mesa é veneno. Isso independe de você. Hoje nada escapa. Então, ou você vai ser um monge recluso, plantando sua hortinha e sua terrinha, ou se você é uma pessoa que vai ficar exposta a isso e será obrigada a consumir.

Brasil de Fato: Como você avalia o governo Dilma a partir dessa política de isenção fiscal para o uso de agrotóxico no campo brasileiro?
ST: Deixa eu te falar, o governo Dilma está começando agora, não tem nenhum ano, então não dá para responsabilizá-la por essa política. Na verdade esse filme vai servir de alerta para ela também. Muitas das coisas que são ditas no filme, eles [o governo] não têm consciência. Esse filme não é para se vingar de ninguém. É para alertar. Quer dizer, na verdade você mora em Brasília, você está longe do mundo, e alguém diz para você ‘ah, isso é frescura da esquerda, esse problema não existe’, e os relatórios que colocam na sua mesa omitem as pessoas que estão morrendo por lidar diretamente com agrotóxico. [As mortes] vão todas para as vírgulas das estatísticas, entendeu? Acho que está na hora de mostrar que muitas vidas não seriam sacrificadas se a gente partisse para um modelo de agricultura mais humano, mais baseado nos insumos naturais, no manejo da terra, ao invés de intoxicar com veneno os rios, os lagos, os açudes, as pessoas, as crianças que vivem em volta, entendeu? Eu acho que seria ótimo se esse filme chegasse nas mãos da presidente e ela pudesse tomar consciência desse modelo que nós estamos vivendo e, a partir daí, começasse a mudar as políticas.

Brasil de Fato: No documentário você optou por não falar com as empresas produtoras de agrotóxicos. Essa ideia ficou para um outro documentário?
ST: É porque eu não quis fazer um filme que abrisse uma discussão técnica. Se as empresas reclamarem muito e pedirem para falar, eu ouço. Eu já recebi alguns pedidos e deixei as portas abertas. No Ceará eu filmei um cara que trabalha com gado leiteiro que estava morrendo contaminado por causa de uma empresa vizinha. Eu filmei, a empresa vizinha reclamou e eu deixei a porta aberta, dizendo ‘tudo bem, então vamos trabalhar em breve isso num outro filme’. Se as empresas que manipulam e produzem agrotóxico me chamarem para conversar, eu vou. E vou me basear cientificamente na questão porque eles também são craques em enrolar. Querem comprovar que você está comendo veneno e tudo bem (risos). E eu preciso de subsídios para dizer que não, que aquele veneno não é necessário para a minha vida. Nesse primeiro momento, eu quis botar a discussão na mesa. Algumas pessoas já começaram a me assustar, ‘você vai tomar processo’, mas eu estou na vida para viver. Se o cara quiser me processar por um documentário no qual eu falei a verdade, ele processa pois tem o direito. Agora, eu tenho direito, como cineasta, de dizer o que eu penso.

Brasil de Fato: Esse filme será lançado somente no Rio ou em outras capitais também?
ST: Eu estou convidado também para ir para Pernambuco em setembro, mas o filme pode acontecer independente de mim. Esse filme está saindo com o selinho de ‘copie e distribua’. Ele não será vendido. A gente vai fazer algumas cópias e distribuir dentro do sentido de multiplicação, no qual as pessoas recebem as cópias, fazem novas e as distribuem. O ideal é que cada entidade, e são mais de 20 bancando a Campanha, consiga distribuir pelo menos mil unidades. De cara você tem 20 mil cópias para serem distribuídas. E depois nós temos os estudantes, os movimentos sociais e sindicais, os professores. Vai ser uma discussão no Brasil. Temos que levar esse documentário para Brasília, para o Congresso, para a presidente da República, para o ministro da Agricultura, para o Ibama. Todo mundo tem que ver esse filme.

Brasil de Fato: E expectativa é boa então?
ST: Sim. Eu sou um otimista. Sempre fui.



sexta-feira, 1 de julho de 2011

A Enxada e a Lança. E várias estocadas no Jô!

Da série "não estou inspirada/com tempo/ com saco para escrever no blog", mais um vídeo FABULOSO do mais fabuloso (não no sentido de contador de fábulas, mas de incrivelmente sábio e fantástico) ainda Alberto da Costa e Silva no programa imbecilizante do Jô Soares. Um contraste de proporções monumentais, onde o Jô Soares escorrega várias vezes e só não cai por causa da platéia também babaca que o acompanha e consegue achar graça das idiotices que ele faz. Mas vale a pena. Pelo Alberto, claro!
Hasta!

Ache outros vídeos como este em Rede Histórica

quinta-feira, 19 de maio de 2011

"A natureza está fora de nós"

De Eduardo Galeano. O texto completo tá aqui.

Em seus 10 mandamentos, Deus esqueceu-se de mencionar a natureza. Entre as ordens que nos enviou do Monte Sinai, o Senhor poderia ter acrescentado, por exemplo: “Honrarás a natureza, da qual tu és parte.” Mas, isso não lhe ocorreu. Há cinco séculos, qua ndo a América foi aprisionada pelo mercado mundial, a civilização invasora confundiu ecologia com idolatria. A comunhão com a natureza era pecado. E merecia castigo. Segundo as crônicas da Conquista, os índios nômades que usavam cascas para se vestirem jamais esfolavam o tronco inteiro, para não aniquilarem a árvore, e os índios sedentários plantavam cultivos diversos e com períodos de descanso, para não cansarem a terra. A civilização, que vinha impor os devastadores monocultivos de exportação, não podia entender as culturas integradas à natureza, e as confundiu com a vocação demoníaca ou com a ignorância. Para a civilização que diz ser ocidental e cristã, a natureza era uma besta feroz que tinha que ser domada e castigada para que funcionasse como uma máquina, posta a nosso serviço desde sempre e para sempre. A natureza, que era eterna, nos devia escravidão. Muito recentemente, inteiramo-nos de que a natureza se cansa, como nós, seus filhos, e sabemos que, tal como nós, pode morrer assassinada. Já não se fala de submeter a natureza. Agora, até os seus verdugos dizem que é necessário protegê-la. Mas, num ou noutro caso, natureza submetida e natureza protegida, ela está fora de nós. A civilização, que confunde os relógios com o tempo, o crescimento com o desenvolvimento, e o grandalhão com a grandeza, também confunde a natureza com a paisagem, enquanto o mundo, labirinto sem centro, dedica-se a romper seu próprio céu.

domingo, 10 de abril de 2011

Série Reformas Democáticas - Tvvermelho

Série produzida pela Tv Vermelho, do site Vermelho, conveniado ao PCdoB.
Aborda as reformas democráticas que o Brasil precisa. Muito bom!

quinta-feira, 31 de março de 2011

Da Educação e do Aikido

O pobre do blog tá abandonado... só pra postar algo, vou divagar um pouco. É que meu lado "político" anda meio desativado... acho que dormir pouco dá nisso. A gente vai ficando meio bitolada...
Mas então cá estou eu, tentando pensar em alguma coisa pra escrever e o que me vem a mente é algo que faço diariamente e que nesses dias tem me angustiado um pouco: dar aulas! Às vezes eu odeio esse meu lado relativista demais, mas fico pensando: afinal, o que é ser um professor? O que é ser um bom professor, formulando melhor? Eu sou uma eterna aluna e por isso, gosto de fazer essas comparações. Porque eu sou "ativa e passiva" ao mesmo tempo (sem maldade!), ensino (ou penso que sim) e aprendo (tb acho que sim) coisas o tempo todo. Então, tenho um monte de idéias sobre o que penso ser o papel de professor ideal, mas depois, no final, eu acho que não existe "receita" pronta. Acho que o bom professor é aquele que se forma o tempo todo, como um artesão que se molda constantemente, de acordo com a forma que deseja tomar. E faz isso com amor e cuidado, porque quer a forma bem feita. Às vezes o negócio fica meio desajeitado, mas depois de uns retoques, fica melhor do que era. Mas também o bom professor é meio intuitivo. Às vezes não sabe bem que forma tomar, como vai ser, no que vai dar... ele vai indo, devagarinho... Eu aprendo muito com o Aikido, outra atividade da qual sou aluna (e esta eu sei que quando acho que aprendo, descubro que não sei nada) e gosto muito de ler os ensinamentos dos grandes aikidoístas, pois eles desenvolveram uma leitura muito peculiar da vida. O Gozo Shioda Sensei diz que o bom praticante nunca tem uma forma pronta na cabeça na hora de executar um movimento. Tudo depende do momento, da forma como o ataque vem, da velocidade, da nossa situação, ... então, depois que preenchemos nossa mente com o conteúdo, a ação deve ser livre e intuitiva. E isso tb é uma ferramenta de ação para o professor. Devemos estar sempre nos aprimorando, estudando, aprendendo, mas também deixando o momento falar. E só podemos fazer isso quando temos segurança da nossa capacidade. Assim como numa situação real de conflito, quando temos segurança e confiamos e nós mesmos, fazemos com que os outros confiem tb. Mesmo que seja a confiança de que não podem nos enfrentar, hehe. Mas isso é pro Gozo Shioda e demais senseis... Para nós, reles professores, estudantes, praticantes, profissionais das mais diversas áreas, o negócio é seguir no caminho. Quem sabe um dia a gente chega lá!
Buenas, depois dessa salada de idéias meio desconexas, meio confusas, meio meio... a conclusão que eu quero chegar é que a nossa busca (aí voltando pros professores) deve ser a de um caminho que nos propicie encantamento e decepções, dificuldades e sucessos, para que possamos achar a fórmula do equilíbrio na segurança de estarmos fazendo algo que amamos (tá, às vezes odiamos). É uma possibilidade de caminho... Eu venho pensando nisso :)
Tá, já dei um oi pro blog. Outro dia eu volto!
Hasta!