terça-feira, 9 de agosto de 2011

Entrevista com Sílvio Tendler e vídeo O Veneno está na Mesa

A situação da produção de alimentos no mundo é muito preocupante, já que a última preocupação da agroindústria são a nutrição e a saúde da população. No Brasil, não é diferente. Aqui, os latifundiários e grandes produtores de alimentos não matam apenas pela posse da terra os pequenos agricultores, mas matam seus empregados, que tem que usar absurdas quantidades de venenos e os consumidores, que se alimentam de produtos intoxicados que vão acumulando no organismo, provocando câncer e outras doenças fatais. E isso vai além de um único governo. Essa situação está entranhada na nossa história e estrutura social e política. E somos nós que podemos pressionar por mudanças. Não adianta só ficar reclamando. Temos que divulgar vídeos como esse, conscientizar amigos e vizinhos, conhecer os projetos e história dos políticos em quem vamos votar, educar nossos filhos para buscarem o direito de viver em um mundo melhor...
A entrevista com o Sílvio Tendler do Brasil de Fato, reproduzida pelo Portal Vermelho é excelente para pensar sobre isso. E o vídeo dele também! Boa reflexão!
Hasta!

Silvio Tendler: o veneno está na mesa do brasileiro


Silvio Tendler é um especialista em documentar a história brasileira. Já o fez a partir de João Goulart, Juscelino Kubitschek,Carlos Marighela, Milton Santos, Glauber Rocha e outros nomes importantes. Em seu último documentário, Silvio não define nenhum personagem em particular, mas dá o alerta para uma grave questão que atualmente afeta a vida e a saúde dos brasileiros: o envenenamento a partir dos alimentos.


Em O veneno está na mesa, lançado no último dia (25) no Rio de Janeiro, o documentarista mostra que o Brasil está envenenando diariamente sua população a partir do uso abusivo de agrotóxicos nos alimentos. Em um ranking para se envergonhar, o brasileiro é o que mais consome agrotóxico em todo o mundo, sendo 5,2 litros a cada ano por habitante. As consequências, como mostra o documentário, são desastrosas.

Em entrevista ao Brasil de Fato, Silvio Tendler diz que o problema está no modelo de desenvolvimento brasileiro. E seu filme, que também é um produto da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida, capitaneada por uma dezena de movimentos sociais, nos leva a uma reflexão sobre os rumos desse modelo. Confira.

Brasil de Fato: Você que é um especialista em registrar a história do Brasil, por que resolveu documentar o impacto dos agrotóxicos sobre a agricultura e não um outro tema nacional?
Silvio Tendler: Porque a partir de agora estou querendo discutir o futuro e não mais o passado. Eu tenho todo o respeito pelo passado, adoro os filmes que fiz, adoro minha obra. Aliás, meus filmes não são voltados para o passado, são voltados para uma reflexão que ajuda a construir o presente e, de uma certa forma, o futuro. Mas estou muito preocupado. Na verdade esse filme nasceu de uma conversa minha com [o jornalista e escritor] Eduardo Galeano em Montevidéu [no Uruguai] há uns dois anos, em que discutíamos o mundo, o futuro, a vida. E o Galeano estava muito preocupado porque o Brasil é o país que mais consumia agrotóxico no mundo. O mundo está sendo completamente intoxicado por uma indústria absolutamente desnecessária e gananciosa, cujo único objetivo realmente é ganhar dinheiro. Quer dizer, não tem nenhum sentido para a humanidade que justifique isso que está se fazendo com os seres humanos e a própria terra. A partir daí resolvi trabalhar essa questão. Conversei com o João Pedro Stédile [coordenador do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra], e ele disse que estavam preocupados com isso também. Por coincidência, surgiu a Campanha Permanente contra os Agrotóxicos, movida por muitas entidades, todas absolutamente muito respeitadas e respeitáveis. Fizemos a parceria e o filme ficou pronto. É um filme que vai ter desdobramentos, porque eu agora quero trabalhar essas questões.

Brasil de Fato: Então seus próximos documentários deverão tratar desse tema?
ST: Pra você ter uma ideia, no contrato inicial desse documentário consta que ele seria feito em 26 minutos, mas é muita coisa pra falar. Então ficou em 50 [minutos]. E as pessoas quando viram o filme, ao invés de me dizerem ‘está muito longo’, disseram ‘está curto, você tem que falar mais’. Quer dizer, tem que discutir outras questões, e aí eu me entusiasmei com essa ideia e estou querendo discutir temas conexos à destruição do planeta por conta de um modelo de desenvolvimento perverso que está sendo adotado. Uma questão para ser discutida de forma urgente, que é conexa a esse filme, é o agronegócio. É o modelo de desenvolvimento brasileiro. Quer dizer, porque colocar os trabalhadores para fora da terra deles para que vivam de forma absolutamente marginal, provocando o inchaço das cidades e a perda de qualidade de vida para todo mundo, já que no espaço onde moravam cinco, vão morar 15? Por que se plantou no Brasil esse modelo que expulsa as pessoas da terra para concentrar a propriedade rural em poucas mãos, esse modelo de desenvolvimento, todo ele mecanizado, industrializado, desempregando mão de obra para que algumas pessoas tenham um lucro absurdo? E tudo está vinculado à exploração predatória da terra. Por que nós temos que desenvolver o mundo, a terra, o Brasil em função do lucro e não dos direitos do homem e da natureza? Essas são as questões que quero discutir.

Brasil de Fato: Você também mostrou que até mesmo os trabalhadores que não foram expulsos do campo estão morrendo por aplicar em agrotóxicos nas plantações. O impacto na saúde desses agricultores é muito grande...
ST: É mais grave que isso. Na verdade, o cara é obrigado a usar o agrotóxicoagrotóxico, ele não recebe o crédito do banco. O banco não financia a agricultura sem agrotóxico. Inclusive tem um camponês que fala isso no filme, o Adonai. Ele conta que no dia em que o inspetor do banco vai à plantação verificar se ele comprou os produtos, se você não tiver as notas da semente transgênica, do herbicida, etc., você é obrigado a devolver o dinheiro. Então não é verdade que se dá ao camponês agricultor o direito de dizer ‘não quero plantar transgênico’, ‘não quero trabalhar com herbicidas’, ‘quero trabalhar com agricultura orgânica, natural’. Porque para o banco, a garantia de que a safra vai vingar não é o trabalho do camponês e a sua relação com a terra, são os produtos químicos que são usados para afastar as pestes, afastar pragas. Esse modelo está completamente errado. O camponês não tem nenhum tipo de crédito alternativo, que dê a ele o direito de fazer um outro tipo de agricultura. E aí você deixa as pessoas morrendo como empregadas do agronegócio, como tem o Vanderlei, que é mostrado no filme. Depois de três anos fazendo a tal da mistura dos agrotóxicos, morreu de uma hepatopatia grave. Tem outra senhora de 32 anos que está ficando totalmente paralítica por conta do trabalho dela com agrotóxico na lavoura do fumo.

Brasil de Fato: A impressão que dá é que os brasileiros estão se envenenando sem saber. Você acha que o filme pode contribuir para colocar o assunto em discussão?
ST: Eu acho que a discussão é exatamente essa, a discussão é política. Eu, de uma certa maneira, despolitizei propositadamente o documentário. Eu não queria fazer um discurso em defesa da reforma agrária ou contra o agronegócio para não politizar a questão, para não parecer que, na verdade, a gente não quer comer bem, a gente quer dividir a terra. E são duas coisas que, apesar de conexas, eu não quis abordar. Eu não quis, digamos assustar a classe média. Eu só estou mostrando os malefícios que o agrotóxico provoca na vida da gente para que a classe média se convença que tem que lutar contra os agrotóxicos, que é uma luta que não é individual, é uma luta coletiva e política. Tem muita gente que parte do princípio ‘ah, então já sei, perto da minha casa tem uma feirinha orgânica e eu vou me virar e comer lá’, porque são pessoas que têm maior poder aquisitivo e poderiam comprar. Mas a questão não é essa. A questão é política, porque o agrotóxico está infiltrado no nosso cotidiano, entendeu? Queira você ou não, o agrotóxico chega à sua mesa através do pão, da pizza, do macarrão. O trigo é um trigo transgênico e chega a ser tratado com até oito cargas de pulverizador por ano. Você vai na pizzaria comer uma pizza deliciosa e aquilo ali tem transgênico. O que você está comendo na sua mesa é veneno. Isso independe de você. Hoje nada escapa. Então, ou você vai ser um monge recluso, plantando sua hortinha e sua terrinha, ou se você é uma pessoa que vai ficar exposta a isso e será obrigada a consumir.

Brasil de Fato: Como você avalia o governo Dilma a partir dessa política de isenção fiscal para o uso de agrotóxico no campo brasileiro?
ST: Deixa eu te falar, o governo Dilma está começando agora, não tem nenhum ano, então não dá para responsabilizá-la por essa política. Na verdade esse filme vai servir de alerta para ela também. Muitas das coisas que são ditas no filme, eles [o governo] não têm consciência. Esse filme não é para se vingar de ninguém. É para alertar. Quer dizer, na verdade você mora em Brasília, você está longe do mundo, e alguém diz para você ‘ah, isso é frescura da esquerda, esse problema não existe’, e os relatórios que colocam na sua mesa omitem as pessoas que estão morrendo por lidar diretamente com agrotóxico. [As mortes] vão todas para as vírgulas das estatísticas, entendeu? Acho que está na hora de mostrar que muitas vidas não seriam sacrificadas se a gente partisse para um modelo de agricultura mais humano, mais baseado nos insumos naturais, no manejo da terra, ao invés de intoxicar com veneno os rios, os lagos, os açudes, as pessoas, as crianças que vivem em volta, entendeu? Eu acho que seria ótimo se esse filme chegasse nas mãos da presidente e ela pudesse tomar consciência desse modelo que nós estamos vivendo e, a partir daí, começasse a mudar as políticas.

Brasil de Fato: No documentário você optou por não falar com as empresas produtoras de agrotóxicos. Essa ideia ficou para um outro documentário?
ST: É porque eu não quis fazer um filme que abrisse uma discussão técnica. Se as empresas reclamarem muito e pedirem para falar, eu ouço. Eu já recebi alguns pedidos e deixei as portas abertas. No Ceará eu filmei um cara que trabalha com gado leiteiro que estava morrendo contaminado por causa de uma empresa vizinha. Eu filmei, a empresa vizinha reclamou e eu deixei a porta aberta, dizendo ‘tudo bem, então vamos trabalhar em breve isso num outro filme’. Se as empresas que manipulam e produzem agrotóxico me chamarem para conversar, eu vou. E vou me basear cientificamente na questão porque eles também são craques em enrolar. Querem comprovar que você está comendo veneno e tudo bem (risos). E eu preciso de subsídios para dizer que não, que aquele veneno não é necessário para a minha vida. Nesse primeiro momento, eu quis botar a discussão na mesa. Algumas pessoas já começaram a me assustar, ‘você vai tomar processo’, mas eu estou na vida para viver. Se o cara quiser me processar por um documentário no qual eu falei a verdade, ele processa pois tem o direito. Agora, eu tenho direito, como cineasta, de dizer o que eu penso.

Brasil de Fato: Esse filme será lançado somente no Rio ou em outras capitais também?
ST: Eu estou convidado também para ir para Pernambuco em setembro, mas o filme pode acontecer independente de mim. Esse filme está saindo com o selinho de ‘copie e distribua’. Ele não será vendido. A gente vai fazer algumas cópias e distribuir dentro do sentido de multiplicação, no qual as pessoas recebem as cópias, fazem novas e as distribuem. O ideal é que cada entidade, e são mais de 20 bancando a Campanha, consiga distribuir pelo menos mil unidades. De cara você tem 20 mil cópias para serem distribuídas. E depois nós temos os estudantes, os movimentos sociais e sindicais, os professores. Vai ser uma discussão no Brasil. Temos que levar esse documentário para Brasília, para o Congresso, para a presidente da República, para o ministro da Agricultura, para o Ibama. Todo mundo tem que ver esse filme.

Brasil de Fato: E expectativa é boa então?
ST: Sim. Eu sou um otimista. Sempre fui.



sexta-feira, 1 de julho de 2011

A Enxada e a Lança. E várias estocadas no Jô!

Da série "não estou inspirada/com tempo/ com saco para escrever no blog", mais um vídeo FABULOSO do mais fabuloso (não no sentido de contador de fábulas, mas de incrivelmente sábio e fantástico) ainda Alberto da Costa e Silva no programa imbecilizante do Jô Soares. Um contraste de proporções monumentais, onde o Jô Soares escorrega várias vezes e só não cai por causa da platéia também babaca que o acompanha e consegue achar graça das idiotices que ele faz. Mas vale a pena. Pelo Alberto, claro!
Hasta!

Ache outros vídeos como este em Rede Histórica

quinta-feira, 19 de maio de 2011

"A natureza está fora de nós"

De Eduardo Galeano. O texto completo tá aqui.

Em seus 10 mandamentos, Deus esqueceu-se de mencionar a natureza. Entre as ordens que nos enviou do Monte Sinai, o Senhor poderia ter acrescentado, por exemplo: “Honrarás a natureza, da qual tu és parte.” Mas, isso não lhe ocorreu. Há cinco séculos, qua ndo a América foi aprisionada pelo mercado mundial, a civilização invasora confundiu ecologia com idolatria. A comunhão com a natureza era pecado. E merecia castigo. Segundo as crônicas da Conquista, os índios nômades que usavam cascas para se vestirem jamais esfolavam o tronco inteiro, para não aniquilarem a árvore, e os índios sedentários plantavam cultivos diversos e com períodos de descanso, para não cansarem a terra. A civilização, que vinha impor os devastadores monocultivos de exportação, não podia entender as culturas integradas à natureza, e as confundiu com a vocação demoníaca ou com a ignorância. Para a civilização que diz ser ocidental e cristã, a natureza era uma besta feroz que tinha que ser domada e castigada para que funcionasse como uma máquina, posta a nosso serviço desde sempre e para sempre. A natureza, que era eterna, nos devia escravidão. Muito recentemente, inteiramo-nos de que a natureza se cansa, como nós, seus filhos, e sabemos que, tal como nós, pode morrer assassinada. Já não se fala de submeter a natureza. Agora, até os seus verdugos dizem que é necessário protegê-la. Mas, num ou noutro caso, natureza submetida e natureza protegida, ela está fora de nós. A civilização, que confunde os relógios com o tempo, o crescimento com o desenvolvimento, e o grandalhão com a grandeza, também confunde a natureza com a paisagem, enquanto o mundo, labirinto sem centro, dedica-se a romper seu próprio céu.

domingo, 10 de abril de 2011

Série Reformas Democáticas - Tvvermelho

Série produzida pela Tv Vermelho, do site Vermelho, conveniado ao PCdoB.
Aborda as reformas democráticas que o Brasil precisa. Muito bom!

quinta-feira, 31 de março de 2011

Da Educação e do Aikido

O pobre do blog tá abandonado... só pra postar algo, vou divagar um pouco. É que meu lado "político" anda meio desativado... acho que dormir pouco dá nisso. A gente vai ficando meio bitolada...
Mas então cá estou eu, tentando pensar em alguma coisa pra escrever e o que me vem a mente é algo que faço diariamente e que nesses dias tem me angustiado um pouco: dar aulas! Às vezes eu odeio esse meu lado relativista demais, mas fico pensando: afinal, o que é ser um professor? O que é ser um bom professor, formulando melhor? Eu sou uma eterna aluna e por isso, gosto de fazer essas comparações. Porque eu sou "ativa e passiva" ao mesmo tempo (sem maldade!), ensino (ou penso que sim) e aprendo (tb acho que sim) coisas o tempo todo. Então, tenho um monte de idéias sobre o que penso ser o papel de professor ideal, mas depois, no final, eu acho que não existe "receita" pronta. Acho que o bom professor é aquele que se forma o tempo todo, como um artesão que se molda constantemente, de acordo com a forma que deseja tomar. E faz isso com amor e cuidado, porque quer a forma bem feita. Às vezes o negócio fica meio desajeitado, mas depois de uns retoques, fica melhor do que era. Mas também o bom professor é meio intuitivo. Às vezes não sabe bem que forma tomar, como vai ser, no que vai dar... ele vai indo, devagarinho... Eu aprendo muito com o Aikido, outra atividade da qual sou aluna (e esta eu sei que quando acho que aprendo, descubro que não sei nada) e gosto muito de ler os ensinamentos dos grandes aikidoístas, pois eles desenvolveram uma leitura muito peculiar da vida. O Gozo Shioda Sensei diz que o bom praticante nunca tem uma forma pronta na cabeça na hora de executar um movimento. Tudo depende do momento, da forma como o ataque vem, da velocidade, da nossa situação, ... então, depois que preenchemos nossa mente com o conteúdo, a ação deve ser livre e intuitiva. E isso tb é uma ferramenta de ação para o professor. Devemos estar sempre nos aprimorando, estudando, aprendendo, mas também deixando o momento falar. E só podemos fazer isso quando temos segurança da nossa capacidade. Assim como numa situação real de conflito, quando temos segurança e confiamos e nós mesmos, fazemos com que os outros confiem tb. Mesmo que seja a confiança de que não podem nos enfrentar, hehe. Mas isso é pro Gozo Shioda e demais senseis... Para nós, reles professores, estudantes, praticantes, profissionais das mais diversas áreas, o negócio é seguir no caminho. Quem sabe um dia a gente chega lá!
Buenas, depois dessa salada de idéias meio desconexas, meio confusas, meio meio... a conclusão que eu quero chegar é que a nossa busca (aí voltando pros professores) deve ser a de um caminho que nos propicie encantamento e decepções, dificuldades e sucessos, para que possamos achar a fórmula do equilíbrio na segurança de estarmos fazendo algo que amamos (tá, às vezes odiamos). É uma possibilidade de caminho... Eu venho pensando nisso :)
Tá, já dei um oi pro blog. Outro dia eu volto!
Hasta!

terça-feira, 8 de março de 2011

"A protagonista"

"No teatro, identificada com a protagonista, cada uma de nós sente-se um pouco Fedra, Cleópatra, Desdêmona. No entanto, a transbordante plenitude que alcançamos por empréstimo pode ser nossa. Basta sermos protagonistas duma aventura singular, que é a nossa própria vida."
Carmem da Silva para a revista Cláudia em 1963.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

A dupla Fo-Fo põe Porto Alegre à venda



Os portoalegrenses mais críticos e conscientes já perceberam que desde que o ex-prefeito Fogaça assumiu a prefeitura, a qualidade de vida na Cidade vem decaíndo rapidamente. Os serviços públicos estão piorando cada vez mais com o claro propósito de encaminhá-los para a iniciativa privada. O DMLU é um exemplo. Lixo acumulado nas ruas, falta de capina, serviços anteriormente gratuitos sendo cobrados, terceirização gradativa... Sem falar no que acontece nos "porões" desses serviços e que não ficamos sabendo. A água da Zona Sul de Porto Alegre é um fiasco. Já postei neste blog imagens da cor da água que saía da minha torneira... Seguidamente tiro roupas amarelas da máquina de lavar que anteriormente eram brancas. A Carris, empresa administrada pela Prefeitura e que era um modelo de transporte coletivo para o país ao que parece virou colecionadora de sucata ou ferro velho pois vai na contramão daquilo que se entende por modernização do serviço de transporte público. Na troca de ônibus que presenciei, onde tiravam de circulação ônibus antigos e compravam "novos", entraram os modelos que se pretendia retirar: sem ar condicionado e com motor dianteiro, o que exige aquelas escadas apertadas que os idosos, grávidas e portadores de deficiência física tem grande dificuldade para subir. Obviamente aqueles que compram os ônibus não presisam usufruir deles! São os mesmos que se irritam pelo fato dos pobres estarem comprando carros, dificultando sua agilidade no trânsito. Sobre este assunto, já viu este vídeo?

Buenas, para terminar o assunto, vou incluir mais um item na lista dos serviços que a prefeitura parece fazer questão de precarizar e empurrar para a iniciativa privada: a saúde. Este texto recebi por e-mail do Sindicato dos Municipários de Poa e fala sobre a aprovação do Instituto Municipal da Estratégia da Saúde da Família, nome bonitinho para terceirização!
Hasta!

SEM DIÁLOGO

Prefeito desrespeita servidores e amplia privatização da Saúde

A aprovação do projeto que cria o Instituto Municipal da Estratégia da Saúde da Família (IMESF), com o voto dos 26 vereadores da bancada do governo, na madrugada do dia 15 de fevereiro, na Câmara de Porto Alegre, demonstra o verdadeiro perfil da gestão do prefeito Fortunati, que usa a situação de maioria na Câmara para seguir o compromisso político de ampliar as terceirizações e avançar na privatização da saúde.

O Sindicato dos Municipários de Porto Alegre repudia a postura autoritária do prefeito municipal, que desconsiderou a mobilização da sociedade e do Fórum de Entidades em Defesa do SUS, que pedia a abertura do debate sobre o projeto.

No curto período em que o tema ganhou destaque na imprensa, Fortunati propositadamente usou os servidores públicos como desculpa para os graves problemas de gestão que ocorrem no SUS sob responsabilidade do município. Fomos atacados sem que houvesse possibilidade de defesa, usados como bode expiatório.

Essa não é a primeira vez que o atual prefeito usa o servidor público para encobrir os problemas gerados por anos de corrupção, pela falta de manutenção do patrimônio público e por projetos falaciosos como o do IMESF, que só resultaram em despesas extras sem nenhum resultado efetivo. Logo no início dos seus dois anos e meio de gestão como prefeito, Fortunati colocou sobre o servidor público a culpa da morte de dois jovens ocorrida na Capital, como forma de encobrir o péssimo serviço prestado pelas empresas terceirizadas relacionadas aos setores de iluminação pública e saneamento.

À época, manifestamos a posição do Sindicato, pedindo a restauração da verdade e maior controle sobre o processo de terceirização. Nossa mobilização não foi escutada pelo prefeito, nem levada em consideração.

Seguindo o compromisso que orienta todas as ações do SIMPA, que é o de defender os servidores públicos municipais, lutando pela preservação das responsabilidades do setor público, pelo salário digno e por condições de trabalho, integramos a mobilização contra a criação do IMESF e a política de fundações para a transferência de obrigações públicas à iniciativa privada.

Nossa luta também representa os interesses da sociedade. O “estado mínimo” não atende ao cidadão. Apesar de todo o desrespeito com que somos tratados, é o servidor público que mantém a estrutura de serviços funcionando, mesmo com todo o sucateamento provocado pelos desmandos políticos.

A terceirização e a transferência de responsabilidades no setor público serve somente àqueles que almejam o poder, mas não gostam do trabalho inerente à função, que é administrar o setor público seguindo as normas legais conquistadas pelos cidadãos.



Vereadores que votaram A FAVOR do IMESF – TERCEIRIZAÇÃO DA SAÚDE

Alceu Brasinha

Bernardino Vendruscolo

Beto Moesch

DJ Cássia

Dr. Raul

Dr. Thiago Duarte

Elias Vidal

Elói Guimarães

Haroldo de Souza

Idenir Cecchin

João Antônio Dib

João Carlos Nedel

Luciano Marcantônio

Luiz Braz

Mario Fraga

Mário Manfro

Mauro Zacher

Nelcir Tessaro

Nilo Santos

Paulinho Rubem Berta

Professor Garcia

Reginaldo Pujol

Sebastião Melo

Tarciso Flecha Negra

Toni Proença

Waldir Canal



Vereadores que votaram CONTRA o IMESF – em defesa do SUS

Adeli Sell

Airton Ferronato

Aldacir Oliboni

Carlos Todeschini

Engenheiro Comassetto

Fernanda Melchiona

Maria Celeste

Mauro Pinheiro

Pedro Ruas

Sofia Cavedon

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

"As sacolas carregarão as madames" ou "a vingança dos empacotadores".


Texto do Antonio Prata. Título original: "O aeroporto tá parecendo rodoviária"

"O FUNCIONÁRIO do supermercado empacota minhas compras. A freguesa se aproxima com sua cesta e pergunta: "Oi, rapazinho, onde fica a farinha de mandioca?". "Ali, senhora, corredor 3." "Obrigada." "Disponha."
A cena seria trivial, não fosse um pequeno detalhe: o "rapazinho" já passava dos quarenta. Teria a mulher uma particularíssima disfunção neurológica, chamada, digamos etariofasia aguda? Mostra-se a ela uma imagem do Papai Noel e outra do Neymar, pergunta-se: "Quem é o mais velho?", ela hesita, seu indicador vai e vem entre as duas fotos, como um limpador de para-brisa e... Não consegue responder.
Infelizmente, não me parece que a mulher sofresse de uma doença rara. Pelo contrário. A infantilização dos pobres e outros grupos socialmente desvalorizados é recurso antigo, que funciona naturalizando a inferioridade de quem está por baixo e, de quebra, ainda atenua a culpa de quem tá por cima.
Afinal, se fulano é apenas um "rapazinho", faz sentido que ele nos sirva, nos obedeça e, em última instância, submeta-se à tutela de seus senhores, de suas senhoras.
Nos EUA, até a metade do século passado, os brancos chamavam os negros de "boys". Em resposta, surgiu o "man", com o qual os negros passaram a tratar-se uns aos outros, para afirmarem sua integridade.
No Brasil, na segunda década do século XXI, o expediente persiste.
Faz sentido. Em primeiro lugar, porque persiste a desigualdade, mas também porque todo recurso que escamoteie os conflitos encontra por aqui solo fértil; combina com nosso sonso ufanismo: neste país, todo mundo se ama, não?
Pensando nisso, enquanto pagava minhas compras, já começando a ficar com raiva da mulher, imaginei como chamaria o funcionário do supermercado, se estivesse no lugar dela. Então, me vi dizendo: "Ei, "amigo", você sabe onde fica a farinha de mandioca?", e percebi que, pela via oposta, havia caído na mesma arapuca.
Em vez de reafirmar a diferença, reduzindo-o ao status de criança, tentaria anulá-la, promovendo-o ao patamar da amizade. Mas, como nunca havíamos nos visto antes, a máscara cairia, revelando o que eu tentava ocultar: a distância entre quem empurra o carrinho e quem empacota as compras.
"Rapazinho" e "amigo" -ou "chefe", "meu rei", "brother", "queridão"- são dois lados da mesma moeda: a incapacidade de ver, naquele que me serve, um cidadão, um igual.
Não é de se admirar que, nesta sociedade ainda marcada pela mentalidade escravocrata, haja uma onda de preconceito com o alargamento da classe C, que tornou-se explícito nas manifestações de ódio aos nordestinos, via Twitter e Facebook, no fim do ano passado.
Mas o bordão que melhor exemplifica o susto e o desprezo da classe A pelos pobres, ou ex-pobres que agora têm dinheiro para frequentar certos ambientes antes fechados a eles, é: "Credo, esse aeroporto tá parecendo uma rodoviária!". De tão repetido, tem tudo para se tornar o "Você sabe com quem está falando?!" do início do século XXI. Se o Brasil continuar crescendo e distribuindo renda, os rapazinhos, que horror!, ganharão cada vez mais espaço e a coisa só deve piorar. É preocupante. Nesse ritmo, num futuro próximo, quem é que vai empacotar nossas compras?
"

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

"O império do consumo"

GENIAL como sempre: Eduardo Galeano!
Do Diário da Liberdade.

A produção em série, em escala gigantesca, impõe em todo lado as suas pautas obrigatórias de consumo. Esta ditadura da uniformização obrigatória é mais devastadora que qualquer ditadura do partido único: impõe, no mundo inteiro, um modo de vida que reproduz os seres humanos como fotocópias do consumidor exemplar.

O sistema fala em nome de todos, dirige a todos as suas ordens imperiosas de consumo, difunde entre todos a febre compradora; mas sem remédio: para quase todos esta aventura começa e termina no écran do televisor. A maioria, que se endivida para ter coisas, termina por ter nada mais que dívidas para pagar dívidas as quais geram novas dívidas, e acaba a consumir fantasias que por vezes materializa delinquindo.

Os donos do mundo usam o mundo como se fosse descartável: uma mercadoria de vida efémera, que se esgota como se esgotam, pouco depois de nascer, as imagens disparadas pela metralhadora da televisão e as modas e os ídolos que a publicidade lança, sem tréguas, no mercado. Mas para que outro mundo vamos mudar-nos?

A explosão do consumo no mundo atual faz mais ruído do que todas as guerras e provoca mais alvoroço do que todos os carnavais. Como diz um velho provérbio turco: quem bebe por conta, emborracha-se o dobro. O carrossel aturde e confunde o olhar; esta grande bebedeira universal parece não ter limites no tempo nem no espaço. Mas a cultura de consumo soa muito, tal como o tambor, porque está vazia. E na hora da verdade, quando o estrépito cessa e acaba a festa, o borracho acorda, só, acompanhado pela sua sombra e pelos pratos partidos que deve pagar.

A expansão da procura choca com as fronteiras que lhe impõe o mesmo sistema que a gera. O sistema necessita de mercados cada vez mais abertos e mais amplos, como os pulmões necessitam o ar, e ao mesmo tempo necessitam que andem pelo chão, como acontece, os preços das matérias-primas e da força humana de trabalho.

O direito ao desperdício, privilégio de poucos, diz ser a liberdade de todos. Diz-me quanto consomes e te direi quanto vales. Esta civilização não deixa dormir as flores, nem as galinhas, nem as pessoas. Nas estufas, as flores são submetidas a luz contínua, para que cresçam mais depressa. Nas fábricas de ovos, as galinhas também estão proibidas de ter a noite. E as pessoas estão condenadas à insônia, pela ansiedade de comprar e pela angústia de pagar. Este modo de vida não é muito bom para as pessoas, mas é muito bom para a indústria farmacêutica. Os EUA consomem a metade dos sedativos, ansiolíticos e demais drogas químicas que se vendem legalmente no mundo, e mais da metade das drogas proibidas que se vendem ilegalmente, o que não é pouca coisa se se considerar que os EUA têm apenas cinco por cento da população mundial.

"Gente infeliz os que vivem a comparar-se", lamenta uma mulher no bairro do Buceo, em Montevideo. A dor de já não ser, que outrora cantou o tango, abriu passagem à vergonha de não ter. Um homem pobre é um pobre homem. "Quando não tens nada, pensas que não vales nada", diz um rapaz no bairro Villa Fiorito, de Buenos Aires. E outro comprova, na cidade dominicana de San Francisco de Macorís: "Meus irmãos trabalham para as marcas. Vivem comprando etiquetas e vivem suando em bicas para pagar as prestações".

Invisível violência do mercado: a diversidade é inimiga da rentabilidade e a uniformidade manda. A produção em série, em escala gigantesca, impõe em todo lado as suas pautas obrigatórias de consumo. Esta ditadura da uniformização obrigatória é mais devastadora que qualquer ditadura do partido único: impõe, no mundo inteiro, um modo de vida que reproduz os seres humanos como fotocópias do consumidor exemplar.

O consumidor exemplar é o homem quieto. Esta civilização, que confunde a quantidade com a qualidade, confunde a gordura com a boa alimentação. Segundo a revista científica The Lancet, na última década a "obesidade severa" aumentou quase 30% entre a população jovem dos países mais desenvolvidos. Entre as crianças norte-americanas, a obesidade aumentou uns 40% nos últimos 16 anos, segundo a investigação recente do Centro de Ciências da Saúde da Universidade do Colorado.

O país que inventou as comidas e bebidas light, os diet food e os alimentos fat free tem a maior quantidade de gordos do mundo. O consumidor exemplar só sai do automóvel par trabalhar e para ver televisão. Sentado perante o pequeno écran, passa quatro horas diárias a devorar comida de plástico.

Triunfa o lixo disfarçado de comida: esta indústria está a conquistar os paladares do mundo e a deixar em farrapos as tradições da cozinha local. Os costumes do bom comer, que veem de longe, têm, em alguns países, milhares de anos de refinamento e diversidade, são um patrimônio coletivo que de algum modo está nos fogões de todos e não só na mesa dos ricos.

Essas tradições, esses sinais de identidade cultural, essas festas da vida, estão a ser espezinhadas, de modo fulminante, pela imposição do saber químico e único: a globalização do hambúrguer, a ditadura do fast food. A plastificação da comida à escala mundial, obra da McDonald's, Burger King e outras fábricas, viola com êxito o direito à autodeterminação da cozinha: direito sagrado, porque na boca a alma tem uma das suas portas.

O campeonato mundial de futebol de 98 confirmou-nos, entre outras coisas, que o cartão MasterCard tonifica os músculos, que a Coca-Cola brinda eterna juventude e o menu do MacDonald's não pode faltar na barriga de um bom atleta. O imenso exército de McDonald's dispara hambúrgueres às bocas das crianças e dos adultos no planeta inteiro. O arco duplo desse M serviu de estandarte durante a recente conquista dos países do Leste da Europa. As filas diante do McDonald's de Moscou, inaugurado em 1990 com fanfarras, simbolizaram a vitória do ocidente com tanta eloquência quanto o desmoronamento do Muro de Berlim.

Um sinal dos tempos: esta empresa, que encarna as virtudes do mundo livre, nega aos seus empregados a liberdade de filiar-se a qualquer sindicato. A McDonald's viola, assim, um direito legalmente consagrado nos muitos países onde opera. Em 1997, alguns trabalhadores, membros disso que a empresa chama a Macfamília, tentaram sindicalizar-se num restaurante de Montreal, no Canadá: o restaurante fechou. Mas em 1998, outros empregados da McDonald's, numa pequena cidade próxima a Vancouver, alcançaram essa conquista, digna do Livro Guinness.

As massas consumidoras recebem ordens num idioma universal: a publicidade conseguiu o que o esperanto quis e não pôde. Qualquer um entende, em qualquer lugar, as mensagens que o televisor transmite. No último quarto de século, os gastos em publicidade duplicaram no mundo. Graças a ela, as crianças pobres tomam cada vez mais Coca-Cola e cada vez menos leite, e o tempo de lazer vai-se tornando tempo de consumo obrigatório.

Tempo livre, tempo prisioneiro: as casas muito pobres não têm cama, mas têm televisor e o televisor tem a palavra. Comprados a prazo, esse animalejo prova a vocação democrática do progresso: não escuta ninguém, mas fala para todos. Pobres e ricos conhecem, assim, as virtudes dos automóveis do último modelo, e pobres e ricos inteiram-se das vantajosas taxas de juros que este ou aquele banco oferece.

Os peritos sabem converter as mercadorias em conjuntos mágicos contra a solidão. As coisas têm atributos humanos: acariciam, acompanham, compreendem, ajudam, o perfume te beija e o automóvel é o amigo que nunca falha. A cultura do consumo fez da solidão o mais lucrativo dos mercados.

As angústias enchem-se atulhando-se de coisas, ou sonhando fazê-lo. E as coisas não só podem abraçar: elas também podem ser símbolos de ascensão social, salvo-condutos para atravessar as alfândegas da sociedade de classes, chaves que abrem as portas proibidas. Quanto mais exclusivas, melhor: as coisas te escolhem e te salvam do anonimato multitudinário.

A publicidade não informa acerca do produto que vende, ou raras vezes o faz. Isso é o que menos importa. A sua função primordial consiste em compensar frustrações e alimentar fantasias: Em quem o senhor quer converter-se comprando esta loção de fazer a barba? O criminólogo Anthony Platt observou que os delitos da rua não são apenas fruto da pobreza extrema. Também são fruto da ética individualista. A obsessão social do êxito, diz Platt, incide decisivamente sobre a apropriação ilegal das coisas. Sempre ouvi dizer que o dinheiro não produz a felicidade, mas qualquer espectador pobre de TV tem motivos de sobra para acreditar que o dinheiro produz algo tão parecido que a diferença é assunto para especialistas.

Segundo o historiador Eric Hobsbawm, o século XX pôs fim a sete mil anos de vida humana centrada na agricultura desde que apareceram as primeiras culturas, em fins do paleolítico. A população mundial urbaniza-se, os camponeses fazem-se cidadãos. Na América Latina temos campos sem ninguém e enormes formigueiros urbanos: as maiores cidades do mundo e as mais injustas. Expulsos pela agricultura moderna de exportação, e pela erosão das suas terras, os camponeses invadem os subúrbios. Eles acreditam que Deus está em toda parte, mas por experiência sabem que atende nas grandes urbes.

As cidades prometem trabalho, prosperidade, um futuro para os filhos. Nos campos, os que esperam veem passar a vida e morrem a bocejar; nas cidades, a vida ocorre, e chama. Apinhados em tugúrios [casebres], a primeira coisa que descobrem os recém chegados é que o trabalho falta e os braços sobram.

Enquanto nascia o século XIV, frei Giordano da Rivalto pronunciou em Florença um elogio das cidades. Disse que as cidades cresciam "porque as pessoas têm o gosto de juntar-se". Juntar-se, encontrar-se. Agora, quem se encontra com quem? Encontra-se a esperança com a realidade? O desejo encontra-se com o mundo? E as pessoas encontram-se com as pessoas? Se as relações humanas foram reduzidas a relações entre coisas, quanta gente se encontra com as coisas?

O mundo inteiro tende a converter-se num grande écran de televisão, onde as coisas se olham mas não se tocam. As mercadorias em oferta invadem e privatizam os espaços públicos. As estações de ônibus e de comboios, que até há pouco eram espaços de encontro entre pessoas, estão agora a converter-se em espaços de exibição comercial.

O shopping center, ou shopping mall, vitrine de todas as vitrines, impõe a sua presença avassaladora. As multidões acorrem, em peregrinação, a este templo maior das missas do consumo. A maioria dos devotos contempla, em êxtase, as coisas que os seus bolsos não podem pagar, enquanto a minoria compradora submete-se ao bombardeio da oferta incessante e extenuante.

A multidão, que sobe e baixa pelas escadas mecânicas, viaja pelo mundo: os manequins vestem como em Milão ou Paris e as máquinas soam como em Chicago, e para ver e ouvir não é preciso pagar bilhete. Os turistas vindos das povoações do interior, ou das cidades que ainda não mereceram estas bênçãos da felicidade moderna, posam para a foto, junto às marcas internacionais mais famosas, como antes posavam junto à estátua do grande homem na praça.

Beatriz Solano observou que os habitantes dos bairros suburbanos vão ao center, ao shopping center, como antes iam ao centro. O tradicional passeio do fim de semana no centro da cidade tende a ser substituído pela excursão a estes centros urbanos. Lavados, passados e penteados, vestidos com as suas melhores roupas, os visitantes vêm a uma festa onde não são convidados, mas podem ser observadores. Famílias inteiras empreendem a viagem na cápsula espacial que percorre o universo do consumo, onde a estética do mercado desenhou uma paisagem alucinante de modelos, marcas e etiquetas.

A cultura do consumo, cultura do efêmero, condena tudo ao desuso mediático. Tudo muda ao ritmo vertiginoso da moda, posta ao serviço da necessidade de vender. As coisas envelhecem num piscar de olhos, para serem substituídas por outras coisas de vida fugaz. Hoje a única coisa que permanece é a insegurança, as mercadorias, fabricadas para não durar, resultam ser voláteis como o capital que as financia e o trabalho que as gera.

O dinheiro voa à velocidade da luz: ontem estava ali, hoje está aqui, amanhã, quem sabe, e todo trabalhador é um desempregado em potencial. Paradoxalmente, os shopping centers, reinos do fugaz, oferecem com o máximo êxito a ilusão da segurança. Eles resistem fora do tempo, sem idade e sem raiz, sem noite e sem dia e sem memória, e existem fora do espaço, para além das turbulências da perigosa realidade do mundo.

Os donos do mundo usam o mundo como se fosse descartável: uma mercadoria de vida efêmera, que se esgota como esgotam, pouco depois de nascer, as imagens que dispara a metralhadora da televisão e as modas e os ídolos que a publicidade lança, sem tréguas, no mercado. Mas a que outro mundo vamos nos mudar? Estamos todos obrigados a acreditar no conto de que Deus vendeu o planeta a umas quantas empresas, porque estando de mau humor decidiu privatizar o universo?

A sociedade de consumo é uma armadilha caça-bobos. Os que têm a alavanca simulam ignorá-lo, mas qualquer um que tenha olhos na cara pode ver que a grande maioria das pessoas consome pouco, pouquinho e nada, necessariamente, para garantir a existência da pouca natureza que nos resta.

A injustiça social não é um erro a corrigir, nem um defeito a superar: é uma necessidade essencial. Não há natureza capaz de alimentar um shopping center do tamanho do planeta.