Do site do MST
23 de abril de 2010
Por Gerivaldo Neiva
Juiz de Direito da Comarca de Conceiçãodo Coité (BA)
Trafegava nesta quinta-feira pela BR-324 (Salvador – Feira de Santana) e vi a marcha do MST pela rodovia. Saíram de Feira de Santana e a previsão de chegada a Salvador é na segunda-feira. São mais de 100 km de caminhada.
Fala-se em 5 mil ou 6 mil participantes. Vi muitos jovens e mulheres participando da marcha.
Segundo a imprensa local, “a manifestação tem como objetivos cobrar mais agilidade na reforma agrária no País e cobrar do governo a realização de obras negociadas em manifestações anteriores, como a construção de casas e escolas em 120 assentamentos no Estado”.
A marcha também tem o caráter de protesto contra a criminalização dos movimentos sociais e contra a impunidade no campo, afirmou o deputado estadual Valmir Assunção (PT), que integra a marcha.
Com ele, estão outras lideranças do partido na Bahia, como o vice-presidente estadual da legenda, Weldes Valeriano. Na programação dos participantes, estão previstas “caminhadas pela manhã e atividades culturais – como curso de formação política e exibição de filmes – nos outros períodos”.
Antes de encontrar os membros do MST em caminhada, parei em um posto para abastecer o carro e puxei conversa com o frentista sobre a marcha. Comecei perguntando se estavam muito na frente e ele me respondeu que tinham passado por ali na manhã anterior e que àquela hora (mais ou menos às nove da manhã) já deveriam ter levantado acampamento e estavam novamente na pista.
Em seguida, tentou me confortar argumentando que era feriado, o trânsito não estava intenso e talvez não encontrasse muito engarrafamento.
Respondi que não me incomodava muito, pois o MST tinha o direito de lutar e de se manifestar. Ele se animou para continuar a conversa e alegou que também gostava do MST e da coragem deles, mas não gostava quando se tornavam violentos, destruíam plantações e casas das fazendas invadidas. Desejei bom dia de trabalho ao frentista e segui viagem.
Depois que passei por aquela multidão de homens e mulheres, caminhado em duas filas indianas, cantando e demonstrando que estavam voluntariamente naquela caminhada, pensei comigo mesmo: são mesmo loucos e insensatos!
Ora, são mais de 100 km de caminhada e nesta época do ano costuma chover muito no recôncavo baiano. Loucos e insensatos, mesmo!
Mais na frente, lembrei-me da observação do frentista com relação à violência do MST e pensei: também, o que se pode esperar de loucos e insensatos?
Que vão entrar com muito cuidado nas fazendas que ocupam, cuidar bem da casa, deixar tudo limpo e arrumado? Não, nada disso. São loucos e insensatos!
Mas o que os levou à loucura e à insensatez?
Por que tantos jovens, moças e rapazes, já perderam a razão e os bons modos ainda na flor da idade?
Esta doença é hereditária e foi causada por mais de 500 anos de exclusão e opressão. No início, os índios, depois os negros, depois os posseiros e pequenos colonos foram excluídos da terra e lançados ao léu.
Agora, séculos depois, tornaram-se “sem-terra” e marcham pelas rodovias do país, moram em acampamentos, ocupam fazendas, derrubam laranjais, queimam sedes luxuosas, matam bois para comer a carne… São uns loucos e insensatos.
Sendo assim, diferente dos “doutores da lei”, eles não sabem distinguir os vários tipos de posse, não sabem distinguir posse de propriedade e, muito menos, o que sejam os tais “interditos proibitórios.”
Para eles, interessa somente a terra e os alimentos que dela brotam. Terra, portanto, não se confunde com posse e, muito menos, com propriedade.
Terra é mãe e produz alimentos, é o local, o espaço sagrado e detentor das possibilidades de continuidade da espécie humana sobre o planeta. Propriedade, de outro lado, é mera abstração, conceito, idéia, pedaço de papel, registro em cartório…
Não compreendem os loucos e insensatos do MST, enfim, por que tantos “letrados” andam dizendo por aí que a “propriedade” é um direito sagrado.
Ora, sagrada é a terra, e não a propriedade dela! Esse destino místico da terra, porém, não se realiza com pastos e pisadas de bois ou eucalipto para virar celulose, mas com a presença do homem, como se pertencessem um ao outro, plantando e colhendo, no cio da terra, alimentos para o mundo.
O homem, portanto, não pode impor qualquer função ou amarras à terra, pois ela já tem desde sempre o seu destino inafastável, que é oferecer a vida ao homem que lhe habita.
Pensando bem, aliás, o que seria da vida, da liberdade e do mundo sem os loucos e os insensatos?
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