quinta-feira, 22 de abril de 2010

Sobre a gripe suína

O Serra diz:


Em matéria de 2009, a Folha diz:

30/04/2009 - 12h48
Gripe suína não tem relação com porcos, dizem especialistas
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da France Presse, em Paris
da Efe, em Bruxelas

Em nota, a Federação dos Veterinários da Europa (FVE) disse nesta quinta-feira que o vírus de gripe suína que está propagando pelo mundo --para a OMS, uma pandemia (epidemia de grandes proporções, talvez global) é iminente-- "nunca foi detectado nos porcos" e que, por isso, a doença deve ter o nome alterado para "nova gripe".
O diretor da Organização Mundial para a Saúde Animal (OIE), Bernard Vallat, confirmou à agência de notícias France Presse que ainda não é possível saber em qual organismo vivo surgiu o novo vírus e disse que realizar o sacrifício dos porcos, como anunciou o governo egípcio, é "totalmente injustificável".

O Egito anunciou que irá sacrificar toda a população de porcos do país, calculada em cerca de 300 mil animais. Gana, Rússia, China, Equador e Ucrânia decidiram impor restrições às importações de carne suína do México e dos Estados Unidos, onde a gripe suína já causou, respectivamente, sete e uma mortes.

Na Rússia, está proibida a importação de carne de porco e derivados de Estados americanos onde há casos da doença.

Mas eu gosto dessa, da Ciência Hoje (SBPC):

O retorno do fantasma

A compreensão da história evolutiva dos diferentes grupos de vírus é vital para que possamos entender a sua epidemiologia e desenvolver estratégias eficazes para o combate de uma série de doenças humanas.

Alguns vírus têm profundo efeito sobre a história da humanidade, enquanto outros têm impacto marcante e atual sobre a saúde pública. Compreender a evolução dos vírus e dos meios pelos quais eles obtiveram sua diversidade genética atual pode nos auxiliar a entender esses efeitos. (...)
Os vírus são classificados em cerca de setenta famílias. Destas, vinte infectam o homem. A diversidade genética dos grupos de vírus é afetada por sua história evolutiva e a de seus hospedeiros. Ancestrais humanos foram infectados por muitos vírus e a compreensão dessa relação nos diz muito sobre a nossa própria história evolutiva.

Por exemplo, vírus que causam doenças associadas com aglomerações não puderam se manter nas pequenas populações caçadoras e coletoras de homens pré-históricos. O vírus do sarampo é um exemplo clássico desse grupo. Indivíduos afetados por essa infecção desenvolvem imunidade durante sua vida. Por isso, a manutenção desse vírus requer um suprimento constante de indivíduos não infectados – principalmente crianças.
Tem-se estimado que o sarampo pode persistir em populações com pelo menos 250 mil indivíduos, algo que só ocorreu com grupos humanos há 5 mil anos, no Oriente Médio. Uma vez que os primeiros humanos chegaram ao continente americano há mais de 10 mil anos, eles não estiveram expostos – até 1492, quando a América foi “descoberta” por Cristóvão Colombo – a vírus adquiridos por populações humanas aglomeradas. Por isso, estima-se que até o século 16 cerca de 90% das populações nativas das Américas morreram de doenças causadas por vírus como o sarampo e a varíola, provenientes dos invasores europeus.

Por outro lado, alguns vírus passaram a afetar a saúde humana apenas nas últimas décadas do século 20. O HIV é o exemplo mais conhecido desses vírus. Existem, contudo, diversos outros, como o Marburg, o Ebola, o Nipah, o Hendra e o SARS, que têm um espectro de ação mais limitado. Essas viroses emergentes estão associadas com o crescimento demográfico e as alterações ambientais e a poluição que vêm nos trilhos desse aumento populacional. (...)
A diversidade genética contemporânea dos vírus está associada com o período de separação dos diferentes grupos a partir de seus ancestrais e com a sua respectiva taxa de evolução. Diversos vírus têm sido adquiridos pelo homem a partir de outras espécies animais (por exemplo, o vírus da gripe suína) e sofrem muitas vezes modificações posteriores na espécie humana.

Forças como a deriva genética, a seleção natural, as taxas de mutação e a competição entre indivíduos de espécies iguais ou diferentes obviamente atuam sobre esses vírus. Grupos menores ou que apresentem uma menor capacidade de dispersão e que sofram uma proporção maior de mutações genéticas podem evoluir mais rapidamente. (...)
O vírus da gripe ou influenza representa – juntamente com o HIV – o exemplo mais extensivamente estudado de vírus que têm se associado ao homem. Os homens são infectados por três vírus da gripe relacionados entre si. Esses vírus, denominados A, B e C, pertencem à família Orthomyxoviridae.

Dentre esses três vírus da gripe, apenas o tipo C causa infecções mais brandas. O vírus tipo B pode provocar consequências danosas para a saúde de seus hospedeiros. Por isso, ele é utilizado no Brasil em campanhas de vacinação para idosos, nos quais pode causar problemas graves e mesmo óbitos.

O vírus tipo A, por sua vez, está associado à maioria das epidemias com consequências sérias. Tipicamente, as propriedades antigênicas (capazes de provocar a formação de anticorpos) dos vírus tipo A variam um pouco de um ano para o outro, um processo conhecido como deriva antigênica. Esse processo é responsável pela incapacidade do organismo humano hospedeiro de criar uma resistência permanente contra a gripe.

Contudo, em três ocasiões durante o século 20, as propriedades antigênicas do vírus da gripe tipo A modificaram-se radicalmente. Essas mudanças (conhecidas como mudanças antigênicas) fizeram com que esses vírus passassem a apresentar um sorotipo diferente (linhagem que induz anticorpos diferentes no hospedeiro) e geraram pandemias que levaram milhões de pessoas à morte. (...)
Dezesseis sorotipos H e nove N são conhecidos. Existe também uma série de combinações entre eles. Porém, apenas poucos desses sorotipos são encontrados no homem e, tipicamente, apenas um ou poucos estão presentes na população humana em um dado período. Por outro lado, todos os sorotipos são encontrados em aves aquáticas, o reservatório natural do vírus da gripe tipo A. Alguns sorotipos estão presentes também em mamíferos como os cavalos e os porcos.
Os vírus da gripe foram caracterizados inicialmente na década de 1930 e o primeiro sorotipo identificado foi denominado H1N1. Uma mudança antigênica ocorreu em 1957, levando ao surgimento do sorotipo H2N2 e à pandemia conhecida como gripe asiática. Outra mudança ocorreu em 1968 e deu origem ao sorotipo H3N2 e à gripe de Hong Kong.
Estudos indicam que a gripe espanhola de 1918 marcou o início da infecção dos vírus H1N1 no homem. Essa foi de longe a pandemia humana mais severa do século 20 – e obviamente de todos os tempos. Estima-se que ela tenha levado pelo menos 40 milhões de pessoas à morte (veja coluna de janeiro de 2007 ).

O enorme impacto dessa pandemia sobre a saúde humana não ocorreu devido a uma associação de formas virais já presentes na espécie humana, mas sim devido à introdução de um sorotipo completamente novo de vírus (o H1N1) proveniente das aves.

Durante os últimos anos, tem-se observado o ressurgimento do sorotipo H1N1 na população humana. Um exemplo desse tipo de evento é a atual gripe suína, que, até o fechamento desta coluna (no dia 30 de abril), já havia infectado 260 pessoas somente em seu local de origem – o México – e provocado 12 mortes no país.

Portanto, a gripe suína não representa uma grande novidade em termos evolutivos, mas sim um velho fantasma que a humanidade tem combatido nos últimos 90 anos.


Jerry Carvalho Borges
Universidade do Estado de Minas Gerais
01/05/2009

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