domingo, 5 de setembro de 2010

Sobre o Brasil e as eleições

Hoje li duas matérias falando sobre as eleições. Uma do IHU (Instituto Humanitas Unissinos) que reproduzia texto falando sobre o posicionamento do jornal Brasil de Fato em relação aos candidatos e outra do Vermelho, falando sobre uma eleitora da Dilma.
As duas muito boas e, para mim, de certa forma, complementares. Lendo as duas, fica mais fácil de entender, mas vou expor aqui alguns dos meus argumentos:
O Brasil de Fato reproduz uma idéia fiel aos princípios da esquerda mais "radical", que é mais crítica e, talvez por isso, mais distante (pois assim deve se manter, para poder ser crítica) do poder. Ele analisa a "era Lula" como um período de desmobilização dos movimentos sociais, não em função do Lula, mas de um contexto histórico mais amplo:

"A classe trabalhadora brasileira vivencia uma longa etapa de refluxo do movimento de massas, que vem desde a derrota político-ideológica para o neoliberalismo e a vitória dos governos Collor-FHC. Então, há muita confusão ideológica e divisionismo, pela derrota política sofrida pela esquerda e pelo abandono das ideias socialistas por muitos setores que levam a desvios oportunistas entre candidatos de todo tipo.
Além disso, há uma desarticulação política das organizações de massa, que reduziram seus programas."

Nesse sentido, tem-se o fato de que os movimentos sociais "não conseguiram ainda influenciar e determinar o debate entre os candidatos". O governo Lula, assim, atingiu os trabalhadores que estão distantes desse processo mais crítico e politizado e, portanto, são mais "fáceis" de agradar. A indiscutível melhora da condição de vida desta parcela da população gera um apoio massivo à política de Lula. Estes argumentos estão embasados nas idéias do cientista político André Singer, que deu entrevista para o jornal. Ele afirma que "é a letargia das massas que apoiam o melhorismo. E são a maioria da população."
É neste ponto que entra o segundo texto a que me referi. Nesse texto, uma mulher de 47 anos explica sua preferência por Dilma a um jornalista do Jornal da Tarde, de São Paulo. Aqui a entrevista:

JT – A senhora acha que a Dilma tem experiência política? A candidata não depende muito do Lula?
Neusa- Ela é como a gente. Acho que ela pode aprender como ser uma boa presidente. Ela vai se virar bem sem o Lula.

JT – E o passado dela? Ela participou da luta armada…
Ah, meu filho, isso não interessa muito, não. Além do mais, faz tanto tempo. E acho também que as pessoas mudam.

JT – A história do Mensalão do PT não incomoda a senhora? E ela ter o apoio do Zé Dirceu, do Sarney, do Collor…
Acho que todos os políticos são a mesma coisa (ri). Quem fez coisa errada tem que pagar e pronto. Agora, vai dizer que só tem gente boa do lado do Serra?

JT – E essa história da quebra de sigilo na Receita Federal?
Isso aí, não sei. Mas imposto é segredo? Achei que não era, que todo mundo sabia.
Em outros trechos que estão no site, ela também afirma que "não identifica Lula ou Dilma como sendo do PT, mas políticos em que ela confia. Expressões como “gente como a gente” e “cara boa” fazem parte do discurso dela."
Por que Neusa não vota no Serra? Ela diz que “não vai com a cara” e não tem nenhuma empatia com ele. “Não acredito naquilo que ele fala”. (trecho da matéria)

É claro que as perguntas "nada tendenciosas" do Jornal queriam outro tipo de resposta, mas o que se pode ler é fantástico! E acrescenta um outro elemento à análise, além dos apontados pelo Brasil de Fato: a identificação. Não enquanto mulher, mas enquanto classe.
Mesmo que os movimentos sociais mais críticos estejam, de certa forma, desmobilizados e que o governo represente uma ampla gama de interesses, muitas vezes antagônicos, é a primeira vez que pessoas vulgarmente chamadas de "povo" se identificam com seus representantes. E este fenômeno, a meu ver, é muito positivo. Todos os nossos ex-presidentes, inclusive Getúlio Vargas, tinham uma identificação e uma ligação muito mais forte com a também vulgarmente chamada "elite", mesmo que o Jânio Quadros se esforçasse para parecer "povão". Não é, ou pelo menos para mim não parece ser, o mesmo sentimento que já houve nos governos populistas de paternalismo e idolatria. É algo como "estar lá de fato", pois "tem alguém como eu lá". E eu gosto disso porque os brasileiros sempre tiveram muita vergonha de si mesmos. A "elite" tem vergonha do Brasil, sempre tentou imitar os "civilizados" (claro que escrevo isso de forma irônica). Os mais pobres sempre tiveram vergonha de si mesmos, sempre tentaram imitar a "elite". E a "elite", bondosa, enche eles de novelas, para que possam copiar sem ser iguais. Mas raramente se viu uma vontade de fazer melhorar o que é seu, de um jeito só seu, sem espelhos, mesmo que com modelos totalmente passíveis de adaptação.
A visão crítica dos movimentos sociais está distante do centro do debate? Sim. Mas creio que estamos vivendo um momento "ponte" onde, depois de 500 anos, talvez possamos construir de forma coletiva e solidária (e não acho que isso seja uma utopia), mesmo com toda a mídia golpista trabalhando para os poderosos de sempre, um caminho alternativo, que mistura idéias de um capitalismo liberal com um capitalismo mais social e algumas pitadas de socialismo. Com certeza não deve ser o ideal e muito ainda vai ter que ser feito, mas já foi visto (e o Brasil é o exemplo disso) que as coisas construídas de cima para baixo, sem uma base forte, não se sustentam.
O capitalismo é desigual e injusto? Claro que sim, e jamais deixará de ser. Mas o que discute hoje são alternativas VIÁVEIS e que não excluam totalmente nenhum grupo, mas parcelas deles, que por motivos óbvios, não se encaixam no modelo de nação realmente soberana e definitivamente muito menos injusta que queremos.
Bem, um monte de outros argumentos ficaram de fora e talvez pulem para dentro mais adiante, mas por agora era isso.
Hasta!

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